Melhor não saber?
Talvez você se lembre. Quando eclodiram as manifestações de junho de 2013, seu pretexto inicial eram os 20 centavos acrescidos à passagem do transporte público em várias capitais. Em seguida, porém, começaram as reclamações sobre os gastos com a Copa do Mundo, que aconteceria dali a um ano no país, as filas nos hospitais, a educação precária, o sistema político e a corrupção - todas as mazelas brasileiras, enfim. Ao perceber que nada disso se resolveria num decreto, ao contrário da revogação do aumento do preço dos tíquetes de ônibus, apareceu alguém com um slogan tão definitivo quanto desolador: “tem tanta coisa errada que não cabe num cartaz”.
Algo semelhante parece aplicar-se às mudanças climáticas. Encaminhar soluções envolve um encadeamento perfeito de variáveis diversas - acordos entre países (e seu devido cumprimento), alterações legais, iniciativas empresariais, desenvolvimento de tecnologias, adesão popular massiva (e do 1% mais rico) e dinheiro, muito dinheiro – que listá-las por completo já parece inverossímil, dada a complexidade – que dirá vê-las em execução. A recompensa também não é lá das mais animadoras: evitar que o aumento da temperatura média do planeta chegue aos 3,3º previstos para meados deste século, pois o 1,5º já é dado como certo. Estimulante, não?
O antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro define a emergência ambiental como um problema “supraliminar”. À diferença dos estímulos subliminares, que de tão discretos são imperceptíveis, os supraliminares seriam seu oposto: grandes a ponto de não serem notados.
Concordo em parte. Existe, de fato, uma espécie de negacionismo involuntário, fruto da habituação. A consciência de que há um fenômeno em curso é visível a cada verão severo, inverno ameno, tempestade inesperada e paisagem alterada. Mas, à medida que se repetem, esses eventos deixam de ser exceção e se tornam a regra, escapando à percepção e ingressando na normalidade. Tornando-se supraliminares, de alguma forma.
Porém, não me parece ser esse o único impedimento à ação, talvez nem o principal. E sim a impressão de que a viabilidade concreta da transformação é de tal maneira improvável que tentá-la parece inútil. Cada vez que alguém alerta que este é um desafio à altura do enfrentamento da escravidão no século 19, e do nazismo, no 20, como James Hansen, da NASA, ou que “a agenda climática é tudo: economia, segurança alimentar, educação e democracia”, como a ativista mexicana Xiye Bastida (Valor Econômico, 17/06/24), o efeito parece contrário ao pretendido: murchar mobilizações, em vez de incentivá-las.
Em gestão, diz-se que objetivos devem ser desafiadores e factíveis para que haja suficiente engajamento e esperança em alcançá-los. E que contem com um prazo fixo para concretização. A emergência climática não gabarita esses quesitos: é grandiosa, sim, só que a ponto de parecer irreversível, e seu deadline já foi descumprido tantas vezes que não tem mais legitimidade para se impor. E assim como o Brasil atual apresenta as mesmas disfunções daquele de 2013, vemo-nos diante de um impasse curioso: a profecia ambiental marcha rumo a sua realização a despeito do conhecimento coletivo sobre sua existência e importância – e também justamente em função dele.
Artigo originalmente publicado no Diário de Santa Maria, em 12 de dezembro de 2024.
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