Estão todos aí
- André D'Angelo
- 14 de fev.
- 2 min de leitura
Há talentos escondidos em muitas províncias – do mundo e do Brasil
Millôr Fernandes disse certa vez que alguns gênios brasileiros tinham o azar de “ter nascido em português”. Talentos incontestes em suas áreas, escritores, músicos, cartunistas e atores locais estavam privados do aplauso, da fama e da dinheirama internacional por um capricho do destino – vir ao mundo na periferia.
Fernanda Torres atenuou esse prejuízo no último 5 de janeiro, ao receber o Globo de Ouro de melhor atriz por seu papel em “Ainda Estou Aqui”. Há meses viajando o planeta para divulgar o filme, ela disse lastimar que compatriotas responsáveis por sua formação cultural não sejam nomes conhecidos lá fora: “como posso falar com alguém que não sabe quem é Nelson Rodrigues nem Candeia?” (Folha de S. Paulo, 07/01/24).
Bem, se o Brasil é uma província no mundo, 24 estados e o Distrito Federal o são dentro do Brasil, cuja indústria cultural está concentrada em Rio e São Paulo. E mecanismo semelhante àquele que impõe barreiras aos talentos nacionais no exterior condena à pecha de “regionais” nomes que, a despeito do idioma comum, não compartilham sotaques, temáticas, estéticas, sobrenomes ou redes de contato com os “brasileiros” que fazem as coisas acontecer nacionalmente.
Fernanda Torres é uma outsider em Hollywood; na Rede Globo e no circuito teatral e cinematográfico nacionais, nunca foi. E os árbitros do gosto que elegem os representantes da chamada “cultura brasileira” não são menos alheios ao que se passa nas províncias do país quanto os de fora em relação ao chamado sul global. “Como conversar com alguém que não sabe quem foram Plauto Cruz e Simões Lopes Neto? Ou quem são Nei Lisboa e Tabajara Ruas?”, poderia perguntar um gaúcho, sem exageros.
Se cantar a aldeia é uma forma de cantar o mundo, vencer no mundo é um jeito de redimir a aldeia. Fernanda dedicou o troféu à mãe, virtuose sem a devida projeção internacional, a quem considera injustiçada pela perda do Golden Globe e do Oscar, em 1999. Foi bonito e oportuno. Mas poderia tê-lo oferecido, também, a todos os que “nasceram em português” - estejam lá onde estiverem.
Artigo publicado no Diário de Santa Maria, em 14 de fevereiro de 2025.
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