Aprenda a vender com Héctor Babenco...
..e a promover seu produto com Renato Russo
Artistas parecem pessoas com pouca disposição para as pequenices da vida prática, inclusive aquelas que permitem viabilizar a atividade criativa – como as de promoção do próprio trabalho, por exemplo. Alguns, no entanto, desmentem essa percepção, como nos casos de Richard Wagner e Carmem Miranda. Agora, fico sabendo de outros dois casos, bem mais recentes, que se somam aos anteriores mencionados no post.
O primeiro é Renato Russo, vocalista da Legião Urbana morto em 1996. Russo era um líder messiânico que exortava seus admiradores a “amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, passando a impressão de um certo alheamento às coisas mais comezinhas do dia a dia, como dinheiro e que tais. No entanto, durante muito tempo morou em um hotel cinco estrelas e, tão logo o governo federal confiscou as cadernetas de poupança, em 1990, exasperou-se com o sumiço do dinheiro com o qual pretendia comprar um apartamento - e prometeu, tal qual uma Scarlet O’Hara das guitarras, reconquistar centavo por centavo para realizar seus planos, conforme conta em documentário seu companheiro de banda Dado Villa-Lobos (“Rock Brasília”, 2011, disponível no YouTube).
A faceta mais interessante de Russo, no entanto, aparece no livro “ Dias de luta”, do jornalista Ricardo Alexandre. Nele, o autor reproduz uma espécie de memorando que Russo elaborou para a gravadora a respeito do potencial comercial de cada uma das faixas do disco “Dois”, de 1986. Como bem observa Alexandre, “o detalhismo e o senso de marketing são impressionantes”. Nele, Russo define, com acerto, que “Eduardo e Mônica” é um “hit single fortíssimo e imediato”, e que “Tempo perdido”, embora “a faixa mais forte do disco, (...) não é faixa para ser trabalhada de início”. Na mosca.
Às vezes, o tino comercial não fica evidente no trabalho artístico, mas antes dele – como no caso do cineasta argentino Héctor Babenco, que, para sobreviver no Brasil muito antes de começar a trabalhar com cinema, foi vendedor de roupas e jazigos, conforme conta em entrevista à revista Sax Magazine de fevereiro deste ano.
No primeiro caso, sua tia, dona de uma loja, enchia uma mala com mercadorias de todos os tipos e punha Babenco na rua, para a vendê-las porta a porta. Ele revela alguns de seus truques à época, tais como chegar em um local de grande concentração de pessoas com a mala quebrada e pedir auxílio para alguém nas proximidades fingindo desinteresse:
“Você teria um papel, alguma coisa (para embrulhar os produtos)? Estou com essas camisas americanas que você lava e não precisa passar...”.
As pessoas aproximavam-se curiosas e ele dava continuidade ao seu “teatrinho” – ou “cineminha”, para ser mais preciso:
“(...) contava umas histórias, que um piloto da PanAm tinha dado esses produtos”.
O resultado? “Vendia tudo!”.
Mas o melhor do Babenco vendedor, digno de Oscar, vem do seu desempenho na venda de túmulos em um cemitério paulistano. Acompanhe:
“Eu tinha uma técnica fantástica. Chegava a apagar e acender a luz várias vezes para que as pessoas tentassem imaginar como seria a morte! Minha intenção era dar medo. Com o medo eu dizia: ‘não seria muito mais interessante para o dia que o senhor falte que já esteja tudo organizado, a família não precisando se preocupar com nada? Então, nós estamos vendendo jazigo...”.
A cena funcionava? “Fui campeão de vendas!”, lembra Babenco.
Olhando hoje, as habilidades vendedoras de Babenco podem parecer úteis apenas no período em que ele não se dedicava a sua atividade-fim, o cinema. Mas...será mesmo? Para sobreviver no difícil mercado da arte do Brasil, e o do cinema, em especial, não seria de espantar ouvir do próprio diretor que ele tenha se valido de expedientes tão ou mais astutos para conseguir viabilizar um filme ou convencer um ator consagrado a estrelá-lo em troca de um cachê modesto...